quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

com a palavra: Jerome Rothenberg - Uma proposta acadêmica (1972) [hoje]

Uma proposta acadêmica (1972) [hoje, sobre literatura portuguesa nas escolas do brasil e o veto presidencial às línguas e processos pedagógicos indígenas]

Por um período de vinte e cinco anos, digamos, ou durante o tempo necessário para uma nova geração descobrir onde ela vive, retire as grandes epopéias gregas dos currículos de graduação universitária & as substitua pelas grandes epopéias americanas. Estude o Popol Vuh onde se hoje estuda Homero, & estude Homero onde hoje se estuda o Popol Vuh – como antropologia exótica, etc. Se você tiver um espaço na sua mente para a Antologia grega (sabe-se lá se você tem), deixe que seja preenchido pela Winged Serpent de Margot Astrov, ou pelo Technicians of the Sacred, do presente editor, ou ainda por este mesmo volume que você está lendo. Ministre cursos de religião que comecem assim: “Este é o relato de como tudo estava em suspensão, tudo em calma, em silêncio; tudo imóvel, quieto, & a vastidão do céu era vazia” – & use isto como uma norma para comparar todos os outros livros religiosos, sejam eles gregos ou hebraicos. Encoraje os poetas a traduzirem os clássicos americanos nativos (uma nova versão para cada nova geração), mas primeiro lhes ensine a cantar. Deixe jovens poetas índios (que ainda sabem cantar ou contar uma história) ensinarem jovens poetas brancos a fazer isto. Estabeleça cadeiras em literatura americana & teologia, etc., para serem ocupadas por pessoas treinadas em transmissão oral. Lembre-se, também, que os antigos cantores & narradores ainda estão vivos (ou que seus filhos & netos estão), & que menosprezá-los, ou deixá-los na pobreza, é um afronta ao espírito-da-terra. Chame esta afronta de pecado-contra-Homero.
Dê aulas com um chocalho & um tambor.

Jerome Rothenberg – Etnopoesia no milênio. Organização de Sergio Cohn. Tradução de Luci Collin. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2006, p. 79-80