sábado, 9 de novembro de 2013

com a palavra: Jerome Rothenberg [etnopoesia no milênio, som, tradução, índios e chineses]

"Decidi traduzir os vocábulos &, a partir disto, já estava jogando com a possibilidade de traduzir outros elementos das canções que normalmente não são contemplados pela tradução. Também pareceu importante ficar tão longe quanto possível da escrita. Então comecei a falar, e depois a cantar minhas próprias palavras em cima da gravação de Mitchell, substituindo os vocábulos dele com sons que me pareceram relevantes, gravando a seguir minha versão numa nova fita cassete, tendo que daí explorá-la em suas próprias condições. Também não foi fácil para mim romper o silêncio ou ir além dos níveis de entonação superficiais de minha fala & eu ainda achava mais natural naquela versão anterior substituir os vocábulos por palavras inglesas curtas, como 'one', 'none' e 'gone' (é difícil para um poeta-da-palavra abandonar por completo as palavras), esperando que algo da sua força semântica diminuísse com a reiteração:"

Jerome Rothenberg, no texto Tradução total: uma experiência na apresentação da poesia ameríndia, de 1969. Esse é um dos ensaios incluídos no livro Etnopoesia no milênio, traduzido por Luci Collin e organizado por Sergio Cohn, lançado pela Azougue em 2006.

O que mais interessa notar, nessa passagem, é a preocupação de uma tradução total que envolva os elementos não-semânticos, sonoros e performáticos da poesia ameríndia (Rothenberg está falando sobre a tradução da poesia navajo, sudoeste dos Estados Unidos). Júlio Jatobá e eu, traduzindo poesia chinesa para o português, percebemos parte dessa urgência: como traduzir uma poesia marcadamente sonora (dado que cada caracter chinês representa um fonema) sem apelar para a "poesia-da-palavra"?

Como encontrar compensações e equilíbrios entre a tradução sonora, performática porque cantável, e a carga semântica e imagética que o texto também apresenta?

Estamos, por enquanto, trilhando isso. Rothenberg vem pra ajudar.