domingo, 26 de maio de 2013

menos que um: gonzalo torrente ballester, tão grande quanto cervantes

Através de uma troca lícita mas não tão honesta assim, negociando livros a centavos no mercado de Triana, tirei dois pequenos volumes das mãos de um cigano sevillano, deixando no lugar algumas poucas moedas. Um deles, que logo me encantou, foi escrito por Gonzalo Torrente Ballester, e se chama El cuento de Sirena. É uma metaficção tratando da escrita de uma ficção e que, ao fim, não se sabe o quanto foi fictícia: mas funcionou, e era isso que ele queria.

A linguagem de Ballester é livre, desimpedida e fluida, talvez por causa de sua origem galega. O próprio conto da sereia é baseado em umas histórias vindas já de Portugal, do velho poeta rei Dom Dinis. Seja como for, aqui traduzo um pequeníssimo diálogo de outro livro seu, Crónica del Rey pasmado, também fantástico e divertidíssimo de ler.

Leveza é um traço que, de mãos dadas à construção e desenvolvimento de personagens, o autor domina com excelência. Foi da Real Academia Española, vencedor de vários prêmios e, segundo José Saramago - num prefácio da tradução portuguesa de outro livro (La saga/fuga de J.B.), que comprei ontem e não comecei a ler - Gonzalo Torrente Ballester é o escritor que ocupou o espaço, antes vago, ao lado de Cervantes.

"O corpo de Marfisa estava meio descoberto: viam-se seus cabelos, costas, a cintura finíssima e o início de suas nádegas. O Rei a olhava com surpresa e estupefação.

- Já viste algo mais belo?

- Há muitas coisas belas no mundo.

- Mais que o corpo de uma mulher?

- Mais que o de Marfisa, dificilmente.

- Nunca tinha visto, até esta noite, uma mulher nua.

- E que achastes?

- O paraíso tem de ser coisa semelhante.

O conde torceu o nariz.

- Não creio que os senhores inquisidores aprovariam tal ideia.

- E o que saberiam os senhores inquisidores de mulheres nuas?"



"El cuerpo de Marfisa había quedado medio al descubierto: mostraba la cabellera, la espalda, la delgada cintura, el arranque de las nalgas. El Rey la miró: con sorpresa, con estupefacción.

- ¿Has visto algo más bello?

- Hay muchas cosas bellas en el mundo.

- ¿Más que el cuerpo de una mujer?

- Si es el de Marfisa, difícilmente.

- Nunca había visto hasta esta noche una mujer desnuda.

- ¿Y qué?

- El paraíso tiene que ser una cosa semejante.

El conde torció el morro.

- No creo que los señores inquisidores aprobasen esa idea.

- ¿Qué sabrán los señores inquisidores de mujeres desnudas?"

(Crónica del Rey pasmado - Gonzalo Torrente Ballester.
Barcelona: Espasa Libros, 2011, p. 13)

Nenhum comentário:

Postar um comentário