quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Budismo Humanista: primeira nota - o verso do sexto Patriarca

Logo no início do livro, Dr. Guruge cita o Sutra Plataforma, texto clássico do budismo Chan/Zen atribuído ao sexto Patriarca Huineng. A tradução citada por Dr. Guruge é a publicada por Thomas Cleary, em inglês, e que imediatamente fui procurar em português. Porque, pensei, se Guruge cita Cleary, e Cleary escreveu em inglês, uma citação minha do mesmo Cleary por uma versão já traduzida ao português seria, no mínimo, desejável.

Mas não encontrei qualquer tradução desse texto, e a única versão em português que pude achar buscando na internet é uma realizada pelo monge Kōmyō (nome monástico do brasileiro Cláudio Miklos), sobre a tradução inglesa de A. F.  Price e Wong Mou-Lam.

Portanto, traduzi direto do inglês a citação de Thomas Cleary, mas gostaria de apresentar sua versão original, acompanhada das duas portuguesas - a de Cláudio e a minha própria:

Buddhism is in the world;
It is not realized apart from the world.
Seeking enlightenment apart from the world
Is like looking for horns on a hare...
Good friends, if you want to put this into practice, you can do it at home - it doesn't depend on being in a monastery. Being able to practice at home is like someone of the East whose mind is good.
(traduzido por Thomas Cleary, 1998, p. 23)


Budismo está no mundo; 
Ele não é realizado em separado. 
Buscar, fora do mundo, a iluminação, 
É como procurar por chifres numa lebre... 
Bons amigos, se querem colocar tal compreensão em prática, poderão fazê-lo em suas casas – não é preciso estar em um mosteiro. Ser capaz de praticar, mesmo em casa, iguala o praticante àquele que, no Leste, possui a mente boa. 
(tradução minha)


O Reino de Buda está neste mundo,
Dentro do qual o esclarecimento pode ser procurado.
Procurar esclarecimento se separando deste mundo
É tão absurdo quanto buscar chifres em um coelho.
[...]
"Virtuosa Audiência, esses que desejam se treinar (espiritualmente) podem assim proceder em casa. É bastante desnecessário que eles vivam em monastérios. Esses que praticam em casa [com diligência] podem ser comparados a um nativo do Leste que seja bondoso, enquanto aqueles que vivem em monastérios mas negligenciam sua prática não diferem de um nativo do Oeste que seja mau em coração.
(traduzido por Cláudio Miklos)

À parte as claras divergências entre, por exemplo, a síntese que Guruge opera na tradução de Cleary e a complementação do discurso que Cláudio Miklos realiza na fala do Patriarca - veja-se, em especial, a ênfase em "[com diligência]" -, o que chama nossa atenção é a óbvia diferença entre as próprias traduções intermediárias.

Sendo um texto originalmente chinês, suponho que o primeiro verso dizia respeito a 佛教, fojiao, Buddhadharma, o ensinamento/doutrina do Buda. Por isso Cleary nos fala em "Budismo" estar no mundo, enquanto Miklos e seus tradutores iniciais falam em "Reino de Buda".

Vemos no The rabbit's horn: a commentary on the Platform Sutra, texto do Venerável Mestre Hsing Yun traduzido para o inglês por uma equipe de monges e praticantes de sua própria ordem, Fo Guang Shan, que a solução tradutória é ainda mais simples e enxuta, corroborando com nossa hipótese do Buddhadharma, o 佛教 chinês:

The Dharma is within the world,
Apart from this world there is no awakening.
Seeking bodhi apart from the world
Is like looking for a rabbit's horn.
(tradução de Fo Guang Shan)

E ainda, se aprofundarmos os desdobramentos da opção de Cláudio Miklos, Reino de Buda faz uma relação direta com a noção filosófica e soteriológica - para não dizer fenomenológica - da Terra Pura no budismo. Em imediata sequência à citação de Miklos, o sutra continua:

"Até onde a mente for pura, ela será a ‘Terra Pura Ocidental da sua própria Essência da Mente.’"

Esse complemento explica a aparente aleatoriedade da citação de Cleary, quando diz sem mais explicações que "Being able to practice at home is like someone of the East whose mind is good". Como assim, alguém do Leste que tem a mente boa? Algo fica faltando, nessa citação, e nós só compreendemos o que é essa lacuna quando conferimos a sequência do texto original.

Como tradutor, entretanto, não creio ser meu papel completar esse vazio de sentido que Guruge imprime em seu texto, fazendo uma referência de certa forma "incompleta". Talvez uma nota de rodapé resolva esse ponto.

Referências

CLEARY, Thomas [tr.] The Sutra of Hui-neng: Grand Master of Zen with Hui-neng's Commentary on the Diamond Sutra. Boston: Shambhala.

GURUGE, Ananda. Humanistic Buddhism for Social Well-Being: an overview of Grand Master Hsing Yun's in Theory and Practice. Los Angeles: Buddha's Light Publishing, 2002.

MIKLOS, Cláudio [tr.] Sutra de Hui Neng - Sutra da Plataforma. Disponível em: http://hsuyun.blogspot.pt/2011/01/sutra-de-hui-neng-sutra-da-plataforma.html

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