segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

ainda Paramita, a segunda: ética X moralidade


Em sânscrito, o nome da segunda paramita é sīla, significando algo como disciplina moral, moralidade, preceitos, virtude e/ou conduta correta (http://goo.gl/Em1yI).

Por questões históricas e filosóficas, entretanto, os tradutores ocidentais têm preferido traduzir sīla por ética ou disciplina ética. Queremos problematizar:

A noção original aponta diretamente para uma normatividade, ainda que não análoga aos mandamentos mosaicos, por exemplo. Essa normatividade, orientação de conduta, é o que torna a moralidade budista uma questão de observação sobre as ações praticadas.

Por mais que a noção moderna e – sobretudo – contemporânea de nossa ética possa ser mais apropriada ao pensamento racional, democrático, livre e laico, a utilização de ética para sīla trai, de partida, um pouco de sua conotação normativa.

Em chinês, essa segunda paramita é shiluo (尸羅, claramente a transliteração fonética para sīla), também traduzida por jiè (). Quando um budista assume os votos básicos (não matar, não roubar, não mentir, não ter má conduta sexual e não utilizar entorpecentes), é dito que assumiu os cinco preceitos (wǔ jiè, 五戒). Preceitos, portanto, que são também abstinências, porque essa é uma das acepções de jiè (): abster (as outras sendo proteger-se contra; desistir; advertência; disciplina religiosa e aliança – aqui: http://goo.gl/3wii5).

Vejamos outra possibilidade atualmente utilizada: sīla como disciplina ética. Percebam que disciplina está em itálico, mas não ética. Isso porque disciplina tem as acepções de 1) conjunto de regras ou ordens que regem o comportamento de uma pessoa ou coletividade; 2) observância das regras; obediência; 3) capacidade de controlar um determinado comportamento de forma a respeitar regras ou conseguir resultados, entre outras (aqui: http://www.infopedia.pt/pesquisa-global/disciplina)

Essa diferenciação entre moralidade e disciplina ética, portanto, talvez seja mais uma expressão discursiva que se adeque à mentalidade moderna e ocidental – que pretende liberdade, igualdade, fraternidade e várias outras noções filosóficas abstratas – do que uma verdadeira subversão de princípios. É curioso notar que, traduzindo moralidade por ética (ainda que se coloque a disciplina à frente), o conteúdo normativo, coletivo e eminentemente social que pauta as tradições do oriente se perde, de certa forma.

Precisamos de atenção para que esse tipo de tradução generalista e abstrata de um pensamento que, desde a base, é social e orgânico (não que seja bom, mas é orgânico, total) não influencie demais sobre nossa compreensão da fonte. Moralidade, por mais ocidental, moderno e laico que eu seja, me soa mais apropriado que ética. Pelo menos neste caso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário